19/12/2012

É rasteiro ganhar na secretaria

Público
19 de Dezembro de 2012 

Por Santana Castilho*

Não cito o título do livro, que me perdoe o seu autor, Alberto Pimenta, para não ferir a sensibilidade dos leitores mais puritanos. Mas transcrevo uma passagem (edição de “Regra do Jogo”, 1981, págs. 37 e 38):

“… a secretaria, toda a secretaria da mais baixa à mais alta, não é, como se supõe, o lugar onde se faz, mas o lugar onde se não faz, onde se sonega, onde se põe por baixo do monte o papel que devia estar em cima, onde se perdem os papéis, onde se dificulta, se atrasa, se mente, se mexerica, se intriga, se afirma desconhecer o que se conhece e conhecer o que se desconhece; na secretaria se começa a deixar de fazer aquilo para que a secretaria foi feita … e se passa a fazer o que convém à secretaria que se faça …”. 

Modere-se a ideia citada, despindo-a de uma generalização que considero abusiva, tomemos “secretaria” por aparelho administrativo e burocrático que serve o poder político e não nos faltarão factos emblemáticos para ver como tal ideia é actual.

1. Em acto falhado, ou talvez não, Pedro Passos Coelho foi claro: não vale a pena perder tempo com a Constituição, disse. Sabendo que não a pode mudar formalmente, passou ano e meio a revê-la na secretaria, rasteiramente. A troika foi o escudo, a mentira despudorada a arma. A “secretaria” povoou-se de assessores e especialistas, com suplementos remuneratórios escandalosos. Só ele, no seu gabinete, tem 67 actores, que custam um milhão e 800 mil euros por ano. Nenhum, certamente, o aconselhará a pedir desculpa aos portugueses, depois do terrorismo verbal que usou no encerramento do congresso da JSD. Não se contentou com o atropelo grosseiro da Constituição no que toca à perseguição aos reformados, com carreiras contributivas de toda a vida. Quer agora ganhar na secretaria, por antecipação, a batalha constitucional que se vai seguir, manipulando, pondo jovens contra seniores, activos contra pensionistas. Simplesmente deplorável. Valer-lhe-á um presidente surreal, que seja, do mesmo passo, a favor e contra? Contará com mais um acórdão virtual do Tribunal Constitucional, que lhe permita corrigir um atropelo com novo atropelo, sem real produção de efeitos e num resvalar perigoso da prevalência do direito para a preponderância da “secretaria”?

2. Quando o “número um” e o “número dois” descem tão baixo, é natural que o exemplo se cole à pele dos “números” que se seguem na hierarquia da “secretaria”. A prática tornou-se endémica no Ministério da Educação e Ciência, onde o que se perde face à lei e aos tribunais se ganha na secretaria, sem pudor, sem lei nem roque.

3. Aproxima-se da centena o número de condenações do ministério, obtidas por professores nos tribunais, quando estes aí reclamam o pagamento de uma compensação por caducidade de contrato. A lei é clara, como os tribunais reconhecem. Sobre a matéria, igualmente se pronunciaram a Procuradoria-Geral da República e a Provedoria da Justiça. Mas o ministro não faz. Desfaz. Sonega. Dificulta. Desconhece o que se conhece. Prefere a calotice inominável. Ganha na secretaria.

4. A quatro de Julho passado, abordei aqui o caso do Agrupamento de Escolas de Dr. João Araújo Correia, de Peso da Régua, cujo director chegou ao cargo prestando declarações falsas, designadamente dizendo ter uma licenciatura que não tinha. Um escândalo que, durante um ano, patenteou a inutilidade da Inspecção-Geral da Educação e Ciência, do Director-Regional de Educação do Norte e do secretário de Estado do Ensino e Administração Escolar. De recurso em recurso, percorrida a via-sacra do costume, o caso transitou em julgado, depois do acórdão definitivo do Supremo Tribunal Administrativo. Mas … o director continua no posto e a decisão de um tribunal superior está bloqueada na “secretaria”, apesar do art.º 158º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos esclarecer que incorre em responsabilidade civil, criminal e disciplinar quem desrespeite uma decisão judicial.

 5. Sete longas e prolixas páginas do D.R. de 6/12/12 regulamentam o processo de avaliação dos alunos do ensino básico. Estão assinadas por Crato, mas poderiam ter saído da verve “eduquesa” de Valter Lemos. Definitivamente, o discurso da exigência e a magia redentora dos exames espartanos sumiram-se na secretaria. O número 14 do art.º 10º dispensa dos exames todos os alunos problemáticos: os que frequentam percursos curriculares alternativos; os que “voluntariamente” foram arregimentados no ensino vocacional; os dos cursos de educação e formação (CEF); os dos programas integrados de educação e formação (PIEF); os dos cursos de educação e formação de adultos (EFA); os que integrem o universo dos detentores de necessidades educativas especiais. Com este jogo de cintura, fica garantido, na secretaria, o sucesso às arrobas. Crato morto, Arrobas posto!
* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

05/12/2012

O número um e o número dois são zeros.


no Público de 5/12/2012

por Santana Castilho*

O número um e o número dois são zeros.

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1. A história da política é também a história de muitas ideias falsas. Com dolo ou sem ele, é sempre condenável que se apresente o que não é factual e não pode ser demonstrado como algo sem apelo nem alternativa. Este é o pecado de ambos: do número um, ignorante convencido, e do número dois, taliban assumido. Ambos são responsáveis por sofrimento que derrota e por desesperança que deprime. Dizem as estatísticas que dois milhões e 600 mil portugueses vivem abaixo do limiar da pobreza, que três milhões vivem com 16 euros por dia e dois milhões com 14, que 21 por cento dos velhos são pobres, que um milhão e 400 mil não têm trabalho e, destes, um milhão e 30 mil não recebem subsídio de desemprego. E dizem eles, o número um e o número dois, que temos que empobrecer, porque vivemos acima das nossas possibilidades? Que desígnios guardam para o povo? Desemprego eterno? Estrangeiro para os novos e caridade para os velhos? Retorno aos bairros de lata e à miséria honrada de Salazar? Ambos rejeitaram a obrigação nobre de gerar e redistribuir riqueza e abraçaram a missão abjecta de generalizar a pobreza. Saibam lá no inferno que, quem assim governa e refunda são zeros! 
2. O orçamento de Estado para 2013 é uma mentira. A última avaliação da Troika sobre o programa de ajustamento, cujos perigos foram postos em relevo pelo FMI logo a seguir, é outra. E Passos, o pai delas todas, é agora servo de três senhores: Hayek para consumo interno, Keynes para serviço externo e Gaspar para sempre. Com o cheque de mil e cem milhões de euros passado a Jardim, para garantir o voto dos quatro deputados da Madeira, retomou a ética política que presidiu ao episódio do queijo Limiano. Alterou à pressa a Lei das Finanças Regionais e consagrou a coisa na segunda rectificação do Orçamento de Estado de 2012. E, com cara de pau, um comissário político veio jurar que o Governo sabe bem o que é a ética na austeridade. A mesma que lhe permite passear-se em peso em carros de luxo, porque são “peanuts” no orçamento e nada se corrigia se deles abdicasse. Que financia o golfe dos deputados retirados, enquanto encolhe os subsídios de desemprego, doença, nascimento e funeral dos outros. Que cilindra grosseiramente os artigos 13º e 104º da Constituição da República, quando esmifra mais os reformados que os activos com igual salário e remete às malvas a progressividade do imposto pessoal. Que recusa aplicar uma taxa adicional de 10 por cento a rendimentos superiores a 40 mil euros mensais, por excessiva, enquanto a aplica aos funcionários públicos e reformados, gradualmente, a partir de mil e 500 euros de salário. 
3. Em entrevista à TVI, num dia, o número um, um Passos impreparado, (veja-se a ignorância vergonhosa que exibiu quando, para justificar a trapalhice inicial, disse que “o ensino secundário praticamente desapareceu, na medida em que o ensino obrigatório foi estendido até ao 12.º ano”) deixou implícito que estaria em risco a gratuidade da escolaridade obrigatória, ao aludir à diferente lógica constitucional de financiamento entre os sectores da Saúde e da Educação e ao considerar um financiamento partilhado entre Estado e cidadãos. No dia seguinte, o número não sei quantos, Crato, desmentiu o número um, dizendo o contrário. Como a palavra de um e do outro valem o que sabemos, preparemo-nos, pelo menos, para o fim de várias ofertas formativas complementares, nova varrida na educação especial, eventual aumento do horário de trabalho dos professores e consequente diminuição do seu número, a que se somará o despedimento dos que ficaram sem horário e dos que sobrarão dos jogos de cintura em curso com o IEFP. Acabará por ser essa a retaliação à existência das alíneas a) e e) do nº2 do Artº 74º da Constituição, que Passos gostaria de eliminar. 
4. Na segunda-feira passada, a jornalista Ana Leal, da TVI, e o jornalista desta casa, José António Cerejo, assinaram serviços cívicos de um género em vias de extinção: jornalismo de investigação. José António Cerejo contou mais uma longa história, em que Passos foi protagonista. Se a juntarmos ao episódio da putativa formação de centenas de técnicos para aeródromos que apenas tinham 10 funcionários, temos mais elementos para perceber o carácter e as tendências comportamentais de quem viria a ser primeiro-ministro de Portugal. Ana Leal, com a coragem própria e a de entrevistados que ouviu, denunciou o escândalo de um mau ensino privado**, que tem que ter consequências. Que já teve consequências. Ficou patente, por omissão de intervenção, pelo menos, a conivência de alguns, com nome: ministro da Educação e Ciência, secretário de Estado da Administração Escolar e inspector-geral da Educação e Ciência. Se não fossem incompetentes, já teriam cerceado a sujeira que Ana Leal denunciou. 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt) 

** vídeo aqui
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comentários retirados daqui 

Luís Sérgio Rolão Mendes Excelente, como sempre. Sem dúvida nítidos nulos.
 
Manuel Santos Em cheio. Nunca é demais afirmar o valor do trabalho da Ana Leal revelando a podridão que é o ensino privado protagonizado pelo inefável Grupo GPS e sua teia de interesses nos partidos.
 
Manuela Justino Bom trabalho! nota 5
 
Jose Manuel Alho A contundência que a realidade exige. Parabéns!
 
Armando Neves Dos Inocentes Um país de números uns... Quando há muitos números uns, qual é o número um???
 
Isabel Campeão Que o número um é um ignorante convencido e o número dois um taliban assumido, isso já está mais do que demonstrado. O que mais me deixa estarrecida é isso acontecer num, e a um Portugal sem PR. Obrigada por tudo o que escreve, caro Professor. 
Por favor, escreva mais e mais, e mais contundente ainda!
 

21/11/2012

Não martelem os dados!


no Público,
21/11/2012
por Santana Castilho

Escrevo este artigo na manhã de terça-feira, 20 de Novembro. À tarde haverá uma conferência de imprensa para divulgar os resultados a que chegou o grupo de trabalho, constituído no fim de 2011, ao qual foi pedido que apurasse o custo do ensino público por aluno e por ano de escolaridade. Tenho o documento à minha frente e, embora o artigo que ora escrevo só saia amanhã, respeito o compromisso que assumi de nada referir antes da respectiva apresentação pública. Posso, todavia, relembrar factos para a tinta que vai correr. 

A Assembleia da República, que aprova o Orçamento de Estado, por natureza o documento onde são detalhadas todas as despesas da Administração Pública, e tem comissões especializadas permanentes, entre elas uma de Orçamento, Finanças e Administração Pública e outra de Educação, Ciência e Cultura, pediu ao Tribunal de Contas (Resolução 95/2011, de 6 de Abril) que apurasse o custo médio por aluno do sistema de ensino. Precisava de o ter feito? Desconhecia os dados? Não! Visava um efeito político. Recorde-se que a iniciativa pertenceu ao PSD, após o corte ao financiamento dos colégios privados com contratos de associação, decidido pelo anterior executivo socialista. Com efeito, a Portaria nº 1324-A/2010, de 29 de Dezembro, fixou o valor do financiamento em 80.080 euros por turma, quando antes andava por volta dos 114.000, porque, afirmou a ministra Isabel Alçada no parlamento, o custo médio por aluno do ensino público se cifrava nos 3.735 euros. Logo após a posse do actual Governo, Nuno Crato, generoso e à revelia rara da receita da troika, aumentou o financiamento para 85.288 euros por turma. E, embora pendesse o trabalho encomendado ao Tribunal de Contas, foi incumbido um novo grupo de “efectuar os estudos necessários para o apuramento do custo real dos alunos do ensino público por ano de escolaridade, tendo em vista a alteração do modelo de financiamento público aos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo em regime de contrato de associação” (sublinhado meu). Mais claro, só amanhã! Mas a conversa promete. Várias fontes já a iniciaram, incensando os cálculos do Tribunal de Contas que, preto no branco, diz o próprio tribunal, não têm validade, por datados (os sucessivos pacotes de austeridade derrogaram-nos, sem apelo nem agravo). Corrijo. Há quem apele e com agravo. 

José Manuel Fernandes, citando o estudo e mais tribunício que o próprio tribunal, disse que a recomendável privatização da Educação é agora imperiosa. Falou de monopólio por parte do Estado, ignorando que Portugal ocupa os lugares cimeiros das tabelas que medem a presença do ensino privado nos sistemas nacionais de ensino. Cita a Holanda como exemplo, mas não esclarece os indígenas que no modelo holandês o Estado não permite que as escolas geridas por privados tenham lucro. Perguntava e respondia em artigo deste jornal, de nove deste mês: “Por onde é que se começam a cortar quatro mil milhões? Talvez por onde o Estado é ineficiente, como no quase monopólio da Educação”. Criticando Marcelo Rebelo de Sousa, que usou o vocábulo “vazio” para adjectivar a proposta de Passos Coelho sobre a redefinição das funções do Estado, convidava-nos a trocar “umas ideias mais sérias e menos vazias sobre o assunto”. Mas cingiu-se, afinal, a insinuar a necessidade de privatizar a Educação, usando argumentos financeiros e estatísticos imprecisos ou datados. Com efeito, disse que entre 2009 e 2011 o sistema público de ensino perdeu 100 mil alunos no ensino básico, outros 100 mil no secundário regular e ganhou 8.500 no superior. Tudo para afirmar que o custo por aluno aumentou. Mas as estatísticas oficiais (GEPE/ME e GPEARI/MCTES, citados por PORDATA) mostram que se perderam 52.884 alunos no básico e não 100 mil, 34.640 no secundário e não 100 mil e se ganharam 25.540 no superior e não 8500. O número total de alunos do sistema público de ensino, considerando a educação pré-escolar e os cursos de especialização tecnológica, que José Manuel Fernandes ignora, era 1.902.774 em 2009 e 1.844.317 em 2011. O que dá uma perda de 58.457 alunos e não os 191.500 sugeridos. 

Repensar as funções do Estado sob a “chantagem” de reduzir 4 mil milhões de euros é a pior forma de o fazer. Mas, acima de tudo, não martelem os dados. Trocar umas ideias sérias sobre o assunto é uma boa proposta. Adianto algumas: nos termos da Constituição, o serviço público de ensino é obrigação do Estado; nos termos da Constituição, os portugueses têm a liberdade privada de criar escolas privadas; dinheiros públicos não devem pagar serviços privados de Educação senão quando o Estado não estiver em condições de os prover, termos em que urge garantir que não se financiam escolas privadas sempre que existam escolas públicas para acolher os alunos. Como recomendou a troika e o Tribunal de Contas. 

* Professor do ensino superior

09/11/2012

Crato, um amanuense do M. Finanças

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Orçamento visto do DN -  ontem
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Santana Castilho critica o debate e o orçamento 
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Santana Castilho, especialista na área da educação, considera que se tratou de "um não debate". Na sua opinião os deputados estavam mal preparados e o ministro Nuno Crato não respondeu às perguntas. -- fonte

07/11/2012

Ai aguentamos, aguentamos! Resta saber até quando!

no Público
7/11/2012

por Santana Castilho

Ai aguentamos, aguentamos! Resta saber até quando!

Primeiro foi Vítor Gaspar, afirmando que “existe um desvio entre aquilo que os portugueses querem que o Estado social lhes forneça e os impostos que estão dispostos a pagar por esses serviços”. 
Depois foi Passos Coelho, com mais uma das suas eloquentes trapalhadas, falando da impossibilidade de adiar uma “reforma mais profunda” do Estado (como se já tivesse feito alguma!), caldeando-a com uma coisa que o país inteiro procura agora saber o que significa: “uma refundação do nosso programa de ajustamento”. 
Fechou o triângulo das trivialidades a boçalidade de um banqueiro, com o “ai aguentam, aguentam!”. Três figurões, com um considerável currículo de asneiras recentes nos negócios que dirigem, inquinaram maliciosamente uma questão essencial para todos. Não a de saber como conseguir o impossível, isto é, pagar em escassos anos uma dívida contraída pelo desgoverno de décadas e onerada por juros agiotas. Mas a de saber o que fazer para pôr a economia a crescer e nos aproximarmos de países que, não tendo mais recursos que o nosso, oferecem aos seus concidadãos um Estado social que os servos da senhora Merkel dizem não ser possível manter. 

Porque Gaspar convocou os portugueses a pronunciarem-se sobre a relação entre os impostos que pagam e os serviços que querem e Passos chamou estrangeiros para refundar o Estado, colhi do ministério que melhor acompanho dois ilustrativos exemplos. Antes de lhe dizermos o que queremos, talvez lhes devamos dizer o que pensamos sobre os anacronismos que promovem e nós pagamos. 
Lembram-se do PREMAC (Plano de Redução e Melhoria da Administração Central)? Como o emblema na lapela dos ministros, queria guiar. E queria começar pelo processo de preparação das leis orgânicas dos ministérios, por forma a torná-los menos dispendiosos e mais simples e flexíveis. Lá estava invocada tal filosofia no preâmbulo do DL 125/2011, que “refundou” os anteriores ministérios da Educação e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, dando lugar ao actual Ministério da Educação e Ciência.
Vejam então, enunciando as suas diversas componentes “flexíveis”, como ficou simples a simples Direcção-Geral da Educação ,  simplesmente com
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- cinco (!!) direcções de serviços:
  • Direcção de Serviços do Júri Nacional de Exames, 
  • Direcção de Serviços de Desenvolvimento Curricular, 
  • Direcção de Serviços de Educação Especial e Apoios Socioeducativos, 
  • Direcção de Serviços de Projectos Educativos e 
  • Direcção de Serviços de Planeamento e Administração Geral; 
- um gabinete, um apenas: Gabinete de Segurança Escolar; 
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- e “escassas” oito divisões: DEPEB, DES, DEA, DMDDE, DDE, DGOP, DRH e DSIIT, respectivamente,
  • Divisão de Educação Pré-Escolar e do Ensino Básico, 
  • Divisão do Ensino Secundário, 
  • Divisão de Educação Artística, 
  • Divisão de Material Didáctico, Documentação e Edições, 
  • Divisão de Desporto Escolar, 
  • Divisão de Gestão Orçamental e Patrimonial, 
  • Divisão de Recursos Humanos e 
  • Divisão de Sistemas de Informação e Infraestruturas Tecnológicas.
Aprenderam? Para reduzir várias direcções-gerais, juntam-se as divisões delas todas numa só direcção-geral e “refundem-se” os directores-gerais sobrantes em “especialistas” de gabinetes ministeriais. Isso mesmo. 
O segundo exemplo radica nos especialistas e especialistas de especialistas que recheiam os gabinetes do ministro Crato e seus quatro secretários de Estado, que, em boa lógica burocrática, serão, julgo, os especialistas dos especialistas dos especialistas. Quantifiquemos, como eles gostam, e expressemos a “accountability”, como eles dizem, respectiva: 
  • cinco chefes de gabinete,
  • mais 14 adjuntos,
  • mais 12 especialistas,
  • mais nove secretárias pessoais (só o ministro tem três!!!),
  • mais 26 “administrativos”,
  • mais 12 “auxiliares” 
  • e mais 13 motoristas (só o ministro tem quatro!!!!). 
Tudo somado, estamos a falar de 218 mil, 446 euros e 51 cêntimos por mês ou, se preferirem, dois milhões, 621 mil, 358 euros e 12 cêntimos por ano.
E, cereja em cima do bolo, os especialistas e os especialistas dos especialistas não chegam. Para superespecialistas, isto é, para pagar estudos e pareceres encomendados fora do ministério, a privados amigos, Nuno Crato teve, em 2012, 16 milhões, 277 mil, 778 euros. Sim: um milhão, 356 mil, 481 euros e 50 cêntimos por mês. 
E vai ter, em 2013, 12 milhões, 863 mil, 945 euros, isto é, um milhão, 71 mil, 995 euros e 42 cêntimos por mês. Para estudos e pareceres que os especialistas e os especialistas dos especialistas, mais a parafernália administrativa do mais mastodôntico ministério da República apenas teriam que ir buscar à gaveta. Porque está tudo estudado e “parecido”.  

Cruze-se isto com a razia dos despedimentos, a proletarização da classe docente e o retrocesso dos conceitos educativos e, generosamente, há uma palavra que serve: obsceno!


* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt) 

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comentários daqui:

Manuel Santos Obsceno, realmente. Causa nojo, Sua Crateza e quejandos.
 
Luís Sérgio Rolão Mendes Obsceno, pornografia da pior, o país está a desaparecer, a gangrena corrói as escolas e a sociedade portuguesa, temos de correr com estes impostores quanto antes.
 
Luís Salvado Se já existia/existe uma Troika, passámos a contar, também, com uma Troikazinha: Passos Coelho (de cola cartazes a político/parasita profissional), Gaspar (o tecnocrata neoliberal) e Ulrich (personificação do capitalismo, na sua pior vertente). Entretanto, o povo vai sendo explorado até ao tutano e permitindo que as conquistas de Abril e o estado social sejam desmantelados (escola pública como alvo principal) e, complacentemente, aceitando o status quo que nos vão impondo. Desejo, espero e anseio que um novo "25 de Abril" possa restituir a dignidade deste já tão sofrido povo...
 
 
 


 

24/10/2012

Pela boca morreu Passos

no Público de 24 de Outubro de 2012

por Santana Castilho *



Pela boca morreu Passos

 

O orçamento de Estado para 2013 quer tapar à bruta três enormes buracos: um enorme buraco resultante de uma enorme derrapagem do orçamento de 2012; um enorme buraco orçamental previsto para 2013; e um enorme buraco que resultará de uma enorme derrapagem na execução de 2013, prevista por antecipação, passe a redundância, no próprio orçamento de 2013. Com efeito, lá estão alguns milhares de milhões de “almofada”: para uma receita que, embora orçamentada, não será cobrada; para responder ao desemprego que esconde; e para suprir um corte na despesa que, embora orçamentado, acabará por não ser feito. Com 3 milhões de pobres e os restantes exaustos pelo confisco fiscal, com o PIB a cair entre 2,8 e 5,3 por cento (FMI dixit), só fanáticos suicidas orçamentam assim. É preciso pará-los. 

A credibilidade técnica de Vítor Gaspar foi um mito com pés de barro. Estimou que as receitas do IVA subiriam 11,6 por cento e acabaram caindo 2,2. Previu, em Março passado, que o encargo do Estado com o desemprego cresceria 3,8 por cento e, em Agosto, já ia em 23. O consumo público contraiu 3,2 por cento em 2011 e a Comissão Europeia estima que contraia 6,2 este ano. O consumo privado caiu 4,2 por cento em 2011 e a CE prevê que caia 5,9 este ano. E Gaspar ignora, quando orçamenta e taxa. E ignora o Tribunal Constitucional. E volta a ignorar, com arrogância e desprezo, o presidente da República e o próprio FMI. Ignora tudo e todos. E ignora o “melhor povo do mundo”, que esmaga com impostos em 2013. 

Mas a credibilidade política de Passos Coelho não vai melhor. Em Novembro de 2010, Passos Coelho clamou para o país uma “nova cultura de responsabilidade”, num jantar partidário em Viana do Castelo, promovido pelo PSD de Barcelos. Da sua intervenção saltou para o debate público, via Lusa, a defesa que fez da necessidade de responsabilizar os políticos, civil e criminalmente, por aquilo que fazem. “Quem impõe tantos sacrifícios às pessoas e não cumpre, merece ou não merece ser responsabilizado civil e criminalmente pelos seus actos?”, perguntou então Passos Coelho. E, na mesma altura, afirmou: “Se nós temos um Orçamento e não o cumprimos, se dissemos que a despesa devia ser de 100 e ela foi de 300, aqueles que são responsáveis pelo resvalar da despesa também têm de ser civil e criminalmente responsáveis pelos seus actos e pelas suas acções. … Não podemos permitir que todos aqueles que estão nas empresas privadas ou que estão no Estado fixem objectivos e não os cumpram. Sempre que se falham os objectivos, sempre que a execução do orçamento derrapa, sempre que arranjamos buracos financeiros onde devíamos estar a criar excedentes de poupança, aquilo que se passa é que há mais pessoas que vão para o desemprego e a economia afunda-se…”. 

Quando assim falou, Passos Coelho pensava na Lei 34/87 (crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos), sucessivamente alterada em 2001, 2008 e 2010 (leis 108, 30 e 41, respectivamente). O que Passos disse de outros caiu-lhe agora em cima. Porque não cumpriu nada do que prometeu e porque falhou grosseiramente os objectivos orçamentais, Passos disse que Passos deve ser responsabilizado civil e criminalmente. Passos morreu pela boca de Passos. 

A obsessão de Gaspar e Passos para iludirem o óbvio, substituindo a racionalidade básica pela fé dos alienados, matou-os. O velório virá logo que Portas acabe de tirar as fotocópias. 
É óbvio que o problema de Portugal, sendo a dívida grande, não é a dívida. É a ameaça de não a poder pagar, com uma economia que não cresce e um desemprego imparável. 

É óbvio que chegámos aqui empurrados por gente trapaceira, protegida por uma justiça injusta. 

É óbvio que só a promoção do investimento produtivo, o aumento do que vendemos lá fora, a diminuição do que compramos cá dentro e a recondução do Estado ao seu papel de árbitro justo de interesses opostos nos poderá arrancar às garras de uma máfia de especuladores e agiotas, a que alguns chamam mercado. 

É óbvio que esta austeridade não muda o futuro. 

A nossa democracia (e a democracia da Europa, importa sublinhá-lo) resume-se a rituais eleitorais, cada vez menos concorridos, que sujeitam a vida pública a modernas formas de ditadura. Guardadas as urnas, os pilares da democracia (a informação e a participação) são amordaçados e domados pelos vencedores, que passam o ciclo a bramir a legitimidade que o voto lhes conferiu. Mesmo que a tenham perdido grosseiramente, por fazerem o contrário daquilo que prometeram quando o disputaram. Mesmo que a mentira sem pudor se lhes cole à cara sem vergonha. Passos Coelho é um belo exemplo do que afirmo. Dificilmente encontramos quem mais gravemente tenha ferido a confiança dos que acreditaram nele. 

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt) 

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comentários daqui:

Margarida Silva Parabens Professor, é sempre um prazer ler as suas crónicas.
 
Maria Helena Vaz Boa noite! Esta crónica, deve ser lida pelo Tribunal Constituicional, para que proceda em conformidade, após receber os pedidos de verificação da constitucionalidade do OGE para 2013. Parabéns Professor.
 
Mário Jorge Parabéns, Senhor Professor, por mais esta análise. Os portugueses precisam que o Sr. Professor continue a revelar o que muitos gostariam que já estivesse esquecido.
 
Maria Antónia Pinto gostei , Professor, da sua crónica , pela ironia , frontalidade e tudo......
 
Madalena Costa Fernandes Professor no seu melhor. Adorei a sua crónica... sempre tão frontal, mas sempre tão coerente.
 
Ema Neves Deviamos ter mais gente assim. Grande professor, grande homem este !
 
 
 
 


10/10/2012

Mais Estado e pior Estado


no Público, 10 de Outubro de 2012

por Santana Castilho *

Mais Estado e pior Estado 

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1. A portaria nº292-A/2012 cria “cursos vocacionais” no ensino básico. Formalmente, caiu a intenção arrepiante de obrigar crianças de tenra idade a aprender um ofício. Mas tudo está ordenado para produzir o mesmo efeito. O diploma está abaixo do medíocre: redigido em Português pobre, tecnicamente deplorável quanto à substância, pejado de intenções de parcerias e protocolos indefinidos, não passa de uma nova versão dos Cursos de Educação e Formação, de má memória. O alvo confessado são os que chumbam mais que duas vezes. A razão por que chumbam não interessa. O cinismo não se disfarça quando se fala de crianças de 13 anos a “optarem” por um destino de vida. O acto falhado radica na qualificação de “regular” para o outro ensino, o intelectual, deixando a este, por antinomia óbvia, a condição de “irregular”. Que diria Crato, do “Plano Inclinado”, dos disparates que Crato, ministro, escreveu no artigo 9º da portaria? Que será “avaliação modular”? A que título, quando estatui sobre avaliação, confunde com ela considerações metodológicas e didácticas? Que brincadeira é aquela de quatro relatórios finais, a serem redigidos por crianças do ensino básico, que chumbaram duas ou três vezes, certamente a Português, como instrumento central de uma presumível classificação, a que ministro chama avaliação? Onde fica o seu rigor, com a trapalhada que consagra nos artigos 10º e 11º? Se o aluno se contentar em ficar por ali, o que fez “habilita”. Se quiser ir para o tal ensino “regular”, o que fez já não habilita? 
 Entendamo-nos, em seis linhas. A lei estabelece um ensino básico. Quer isso dizer que é desígnio da sociedade que todos os portugueses obtenham um conhecimento mínimo, básico. O que está fixado e não outro. O ensino profissionalizante deve vir depois. Como ensino tão “regular” como o outro. Com igual dignidade, livremente escolhido, quando a maturidade o permita, com orientação vocacional séria e cooperante, sem marca social de origem nem estigma de chumbos acumulados. 
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2. Mesmo num quadro bem visível e persistente de desorientação e vacuidade de ideias úteis, surpreende a facilidade com que Nuno Crato dá tiros no próprio pé. Mal os tribunais decidem sobre um atropelo à lei, é vê-lo partir para outro, fora de tempo, qual cavaleiro de triste figura. Quem, equilibrado, se lembraria de decidir, agora e contra uma prática estabilizada desde 2007, que os exames do 12º ano passariam a versar as matérias do 10º e 11º, também? Felizmente que, desta feita, a asneira foi engolida numa semana. Mas deixou mais um estilhaço da credibilidade há muito implodida. 
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3. Nuno Crato tutela a Parque Escolar, um símbolo do desvario político que nos trouxe ao abismo. Tem uma dívida próxima dos 2.000 milhões de euros. Em 2011, enquanto Crato despediu professores aos milhares, essa empresa mais que duplicou o seu pessoal, aumentando a respectiva despesa para 13 milhões de euros. Sem que nada tenha acontecido aos responsáveis, ultrapassou em 70 por cento o orçamentado desempenho da sua actividade e pagou 105 milhões de euros a arquitectos e 750 mil a advogados, sem maçadores concursos públicos. E sem que o ministro pestaneje ou Gaspar fale mais rápido que o costume, acaba de lançar um concurso público de 98 mil euros para que, pasme-se, … lhe digam quanto valem as escolas que o casino do Estado lhe colocou no regaço. Isto, mais os 61 mil pagos a Sérvulo Correia e Associados (que se somam aos 32 mil de que não se fala, ajustados por boca logo que o Governo tomou posse) é tão-só uma gota nas desvergonhas do Estado. 
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4. Os detalhes precedentes, graves em si mesmos, são mais graves na medida em que ilustram a incapacidade de um trio patético de governantes para o ensino não superior, incapazes de fazer algo planeado e sério, para além de complicarem inutilmente a vida dos professores e dos alunos e criarem mais Estado, mas pior Estado. E são ainda mais graves na medida em que não constituem excepção. Outrossim marcam um colectivo em decomposição acelerada. 
Como já todos entenderam, o aumento de impostos é a prazo ineficaz. Por exaustão dos contribuintes, a quebra das receitas é a resposta perversa, mas certa. Entrámos num vórtice de que só sairemos com outros governantes, minimamente conhecedores da realidade nacional. A insolência destes vai acabar incumprindo o incensado memorando. Pelo meio ficará um caminho juncado de cadáveres, no dizer do novo bispo vermelho, fruto de uma governação por catálogo, obsessiva e sem sentido, que recusou propostas e avisos de todos os quadrantes, com o único argumento, democrática e socialmente terrorista, de que não há alternativas. Este é o paradoxo de Passos. Queria menos Estado e melhor Estado. Vai partir com mais Estado e pior Estado.
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* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

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comentários (à nota publicada pelo Professor SC no facebook) 
retirados daqui :

Ana Araújo Só com outros governantes! Honestos e sensatos...
 
Rui Domingos Uma questão: quem pagará os custos (equipamentos, salários, despesas de funcionamento, consumíveis, etc) dos tais novos cursos? O nosso apertado OE?
 
Manuel Santos Desolador. Não encontro palavras nas quais caiba a canalhice desta gente.
 
Luís Sérgio Rolão Mendes Crato e Passos para a rua. SEm demora.
 
Maria Mendonça Completamente de acordo, como sempre. Em tudo o que disse, em tudo o que não disse,mas que se adivinha... A degradação do ensino, exercida por quem nada percebe do métier, ano após ano, por tontinhos de gabinete que não têm qualquer noção do que se passa no mundo real,é constante e angustiante... Qualquer dia o estrago é irreversível... Quero novos governantes,mas sobretudo, novos políticos com credibilidade, honestidade e,essencialmente, poucos vícios de poder... Que venham ideólogos de verdade e não políticos de meia tigela agarrados aos tachos e carreiristas por vocação...
 
Madalena Costa Fernandes Governo de salvação poderia ser a solução Professor? Se eu tivesse algum poder votaria em si...
 
Hugo Pires Portugal investiu na Educação do Gaspar, mas ele próprio assume que irá reduzir o investimento na Educação das pessoas. Hipocrisia nojenta!
 
Luís Salvado Convém, para o poder político, criar cidadãos formatados assim: acríticos, sem consciência cívica e despojados de qualquer capacidade reinvindicativa. Estão lançadas as bases para a criação de escolas de elites versus escolas de pobres. Parabéns, professor Santana Castilho, por mais estas sábias palavras.
 
Berta Prata Desta vez, limito-me a acrescentar a minha contínua e já gasta incredulidade para o desnudar deste país. Já não tenho palavras honestas para dirigir a esta cambada de políticos. Levantarei a minha voz sempre, mesmo que o silêncio pareça pairar. Sinto-me exausta, andamos exaustos e quase moribundos com todos aqules que nos vão roubando um pouquinho de nós todos os dias. Obrigada, Professor, pela denúncia e pelas suas palavras, sempre em alta voz, ainda que muitos o não leiam, outros o não entendam ,e outros ainda que não querem entender.