13/03/2012

Ministério da Educação, Real Estate

A crónica é antiga de 5 anos, e no entanto, de uma actualidade e pertinência infinitamente superiores a tudo o que se está, agora, a escrever sobre a Parque Escolar.
E não paro de perguntar-me: porquê o 'branqueamento' sistemático de Santana Castilho? Porquê este ignorar-lhe a investigação, os estudos, as crónicas publicadas, por omissão, a própria existência?
Pergunto-me, e sei a resposta: somos uma 'cambada', um país de borra-botas e bem-sucedidos vendedores da banha da cobra. Um país em que o caminho directo para a 'visibilidade mediática', nomeada e principalmente nas televisões, se 'conquista', quer pela torpeza mais torpe, quer pela ignorância e a veleidade das opiniões da treta. Os sacro-santos comentadores residentes! Os analistas de coisa nenhuma! O mainstream e o status quo!
Santana Castilho desencaixa deste mosaico amacacado de opacidade e maneirismos, vacuidade e fogos fátuos, desonestidade e mediocridade de toda a espécie, sobretudo intelectual.
Aos 'patrões' dos media não interessa informar com verdade e com rigor. Ao contrário, tudo fazem para manter o circo em funções, massificar a estupidez, a cretinice, a ignorância. Em prol da aniquilação total do sentido crítico e pela instauração do desábito do 'pensar', Santana Castilho tem de ser ignorado, abafado, escondido, as suas opiniões fechadas a sete chaves.
Santana Castilho incomoda que se farta. Primeiro que tudo, porque tem razão. Depois, porque leva anos-luz de avanço relativamente aos seus não-pares. Sobretudo, porque é lúcido, inteligente, honesto, assertivo, rigoroso, perigosamente informado. Um verdadeiro 'terrorista', e por isso e pela parte que me toca, um imenso BEM-HAJA!

Ministério da Educação, Real Estate
26.02.2007, Santana Castilho
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Depressa poderemos dispensar todo o Estado, poupando-o à maçada de se ocupar da diplomacia, da defesa e da justiça
O Governo e o Partido Socialista, melhor dizendo, José Sócrates, porque uma e outra instituição não existem senão como instrumentos de legitimação do absolutismo do primeiro-ministro, entendeu que as políticas de gestão do parque escolar público devem transitar para o domínio empresarial. Vejamos o que se retira do regime jurídico da nova entidade pública empresarial, "Parque Escolar, EPE", publicado no Diário da República de 21 de Fevereiro de 2007:
1. A retórica que justifica o diploma é conhecida. Retoma os dogmas do liberalismo para impor que o público é diabólico e o privado angélico. Infelizmente, a realidade não muda com as fixações obsessivas de Sócrates. O problema não é o de ser público ou privado, mas o de ser bem ou mal gerido.
2. Este diploma é nojentamente hipócrita: num contexto de redução de organismos e funcionários públicos, cria uma empresa para fazer as mesmíssimas coisas; reconhece a ineficácia de processos mas não tem coragem para os reformar; torneia-os, criando novas estruturas para escapar ao que o discurso politicamente correcto continuará a defender. Dois exemplos: a) a nova entidade pode vender, comprar e contratar por ajuste directo. Se os concursos públicos são empecilhos, deixem de os invocar como instrumento de transparência e boa gestão. b) A nova entidade é agora dona e senhora de sete escolas secundárias localizadas em zonas nobres de Lisboa e Porto. São milhares de metros quadrados urbanizados, consignados a uma empresa pública que deve, e cito do diploma, "... conceber, desenvolver e gerir unidades de negócio destinadas a potenciar receitas de exploração das escolas secundárias ..." e que "... pode, acessoriamente, exercer quaisquer actividades, complementares ou subsidiárias do seu objecto principal, bem como explorar outros ramos de actividade comercial ou industrial...". O mesmo governo que apregoa a autonomia das escolas retira aos seus gestores qualquer direito sobre um dos instrumentos de gestão mais básicos, o espaço físico. Não será uma aberração? O que é isto de "potenciar receitas de exploração das escolas"? Não é legítimo pensar que grandes negociatas estão para vir? Foram os quartéis, poderão ser as escolas.
3. Contrariamente ao que passou para a opinião pública, a nova entidade não se vai ocupar apenas das escolas secundárias. A sua acção pode estender-se a todas actualmente sob tutela do Ministério da Educação.
4. Esta novel empresa pública é bem mais que uma simples empresa. Tem poderes para expropriar, embargar, cobrar taxas e decretar demolições. Cruzem-se estes poderes extraordinários com o que acima se transcreveu e imagine-se o que aí pode vir. Preparem-se as clientelas: podem ser instaladas delegações em qualquer ponto do país, as admissões escapam a qualquer congelamento e os salários dos trabalhadores são de fixação livre. Os membros do conselho de administração têm o estatuto de gestores públicos, o que lhes garante as indemnizações da ordem.

Ora aqui está um modelo reproduzível. Podem criar uma empresa pública para cobrar os impostos e resolver o problema do salário do dr. Macedo. Outra para fechar as urgências, até o Grupo Espírito Santo ter os hospitais por conta. Depressa poderemos dispensar todo o Estado, poupando-o à maçada de se ocupar da diplomacia, da defesa e da justiça. Um só chega para responder pela desresponsabilização em curso: Sócrates, ele próprio, o Único.
Professor do ensino superior

in Público de 26.02.07

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