29/07/2015

Um concurso cruel, um ministério podre

no Público,
29 de Julho de 2015

por Santana Castilho*

Escrevo imediatamente após o encerramento do concurso de colocação de professores, designado por Bolsa de Contratação de Escola, roleta russa absurda que ditou o caos do início do ano escolar transacto, com milhares de alunos sem aulas por mais de um mês.

A evidente subjectividade dos critérios da edição deste ano (onde é possível a formatação de lugares por medida) dará uma cascata de ultrapassagens injustas de uns candidatos por outos, numa autêntica corrida de sobrevivência, marcada pela incompetência de um ministério podre.

Para um exíguo número de vagas, estamos em presença, uma vez mais, de uma lista de critérios imbecis, com que se pretende mascarar o único indicador sensato que poderia trazer um mínimo de seriedade e exequibilidade ao processo: a graduação profissional dos candidatos.

Para um exíguo número de vagas, antecipa-se um monumental número de reclamações, que terão por corolário um previsível atraso na colocação de professores, embora de menor dimensão relativamente ao que se verificou no ano passado.

Num inaceitável prazo de quatro dias úteis (22 a 27 de Julho, com um sábado e domingo de permeio), as escolas foram literalmente inundadas com pedidos de declarações de comprovação de dados, que os candidatos deveriam inserir na plataforma informática, através da qual concorriam.

É impossível conceber um quadro de respostas correctas para os parâmetros com que os candidatos foram confrontados. Quem foi prudente perante a constância das dúvidas (caso, por exemplo, da formação contínua creditada) e não arriscou vir a ser confrontado com “falsas declarações”, prejudicando-se, poderá ser ultrapassado por outros, mais ligeiros na interpretação dos dados.

Como resolver a impossibilidade (real) de comprovação atempada de circunstâncias (cargos e realizações), declaradas de boa-fé, há uma dezena de anos?

O exercício do cargo de director de turma foi ponderado de modo diferente em escolas diferentes.

Face à ausência de um quadro inequívoco de referência, a interpretação do que devia ser considerado “outras formações relevantes”, para cada grupo de recrutamento, tornou-se uma charada.

A desproporcionalidade entre funções exercidas é evidente (vale mais ser “coordenador”, por um dia, de um projecto inserido no Plano Anual de Actividades, que “colaborador” ou “participante” em vários, por toda a vida).

Uma “experiência” em projecto TEIP poderá valer uma colocação em 2015-16.

Este concurso, de complexidade inaudita, foi um escaparate de crueldade burocrática, que sujeitou milhares de cidadãos a processos tresloucados. O surreal esclarecimento prestado pela Direcção-Geral da Administração Escolar, sob a forma de “Aviso”, escassas horas antes do respectivo encerramento, depois de assistir passivamente à confusão instalada, prova-o para a posteridade.

Ao defender a BCE, com as repercussões que ela tem na vida dos professores que não têm influências ou cartão partidário, Nuno Crato devia responder ao que nunca respondeu:

- No contexto presente, com uma procura esmagadoramente superior à oferta, que instrumentos, em sede de BCE, garantem a contratação dos mais habilitados e experientes e a equidade no acesso ao emprego público, que a Constituição protege?

- Que dados concretos, que não impressões subjectivas, que disfuncionalidades objectivas aponta ao sistema, quando se contrataram os professores com base numa lista nacional, ordenada segundo a graduação profissional?

Mas este é tão-só um epifenómeno de uma estratégia política de degradação sócio-económica programada de uma classe profissional, demasiado numerosa e heterogénea para se unir eficazmente, com salários definitivamente reduzidos, progressão na carreira ad eternum suspensa e, agora, sob o cutelo contínuo da “mobilidade especial” e da “municipalização”. Insidiosamente, a conflitualidade e a sobrevivência impuseram-se como modus vivendi predominante nas escolas. O objectivo de muitos, ante a pressão psicológica e emocional a que estão sujeitos (recorde-se, a propósito, um recente estudo de investigadores do Instituto Superior de Psicologia Aplicada, onde é referido que metade dos professores portugueses sofre de stress, ansiedade e exaustão), é manter o salário a troco de subserviência hierárquica pouco digna.

Quando Nuno Crato puxou pela cabeça para ver como implodiria o ministério que sempre criticou, tinha duas soluções: ou motivava os professores, dignificando-os, ou proletarizava-os, balcanizando-os. Escolheu a segunda opção, a mais fácil, a que já vinha de trás. Precarizou-os, fiscalizou-os e limpou-os da última réstia de autoridade, dizendo, cinicamente, que lhes dava autonomia acrescida. Não implodiu a casa que hoje comanda. Apodreceu-a.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

16/07/2015

Jornadas Agrupamento de Escolas de Carregado



http://www.cfperoalenquer.pt/

Dia 16 de julho

9:00h – Iguais, diferentes ou especiais: depende do olhar! – Balanço conclusivo Célia Nogueira

10:00h - Histórias de vida 11:00h – Intervalo para café 11:15h – “Histórias iguais de meninos especiais” ou serão “Histórias especiais de meninos diferentes” ou “Histórias especiais de meninos iguais”? Santana Castilho e Carla Andrino

12:45h - Debate

13:00h - Sessão de encerramento

13:30h - Almoço

15/07/2015

Falemos de rigor e de seriedade

no Público
15 de julho de 2015

por Santana Castilho *

Uma análise do discurso de Nuno Crato, antes e depois de ser ministro, tropeça profusamente na recorrência com que se encontra o termo “rigor”. Mas o rigor é inatingível sem conhecimento profundo do universo em que se opera e sem seriedade intelectual e política. Em fim de mandato, Nuno Crato não será recordado pelo rigor.

A ignorância a que me refiro, sobre a complexidade de um sistema de ensino, está particularmente patente na escabrosa reforma curricular que Nuno Crato promoveu, marcada por reminiscências doutrinárias do seu debute político. Com efeito, adoptou o clássico princípio do materialismo dialéctico (aumentando a quantidade transformamos a qualidade da realidade) ao desenvolvimento curricular. Aumentou a carga horária das disciplinas a que chamou de estruturantes (desconhecendo que a natureza estruturante ou instrumental das disciplinas se altera em função de contextos e não resulta de simples enunciação mas sim de fundamentação, coisa que nunca fez) e despejou avalanches de exames sobre as escolas, convencido de que, assim, o saber aumentaria. Mas não aumentou nem aumentará, só por isso.

O tempo para aprender é importante. Mas mais importante é o que se faz com esse tempo. Aumentar a carga horária a um aluno que não entende o que lhe dizem é, tão-só, aumentar-lhe o suplício e desenvolver-lhe o ódio à Escola. Manter sentado, durante o mesmo tempo, um infante de 10 anos ou um jovem de 18, um aluno interessado ou um aluno justificadamente desinteressado, dá resultados diferentes.

A revisão curricular de Nuno Crato obedeceu a uma lógica invertida: iniciou-se com a distribuição das horas por cada disciplina, prosseguiu com a definição das metas de aprendizagem e terminou com a aprovação de novos programas. Ou seja: sem se saberem as razões da necessidade de consignar determinado número de horas a determinada disciplina, porque programas e metas ainda estavam para vir, consignou-se. O recém homologado programa de Português para o ensino básico, com as suas quase 1000 metas (leu bem, leitor, mil metas) é um belo paradigma da insanidade pedagógica a que chegámos. O problema é que a inadequação deste e de outros programas aos estudantes a que se destinam é algo impossível de explicar a quem chamou ocultas às ciências da Educação e substituiu a pedagogia pela contabilidade. A quem privilegiou umas ciências em detrimento das outras, que explicam o sentido da vida e a natureza do Homem. A quem, em nome da formação técnica, estreitou a porta de entrada das humanidades, das artes, do desporto e da cidadania completa.

A falta de seriedade intelectual e política supera a ignorância. Colhamos exemplos neste fecho de ano escolar. A subida da média do exame de Matemática A, acabada de conhecer, um dos melhores resultados de sempre, diz o quê? O que se afirmou no editorial do Público de segunda-feira, isto é, que sim, os exames são um instrumento político. Só que o ministro é neste momento o comentador que, em 2008, acusava Maria de Lurdes Rodrigues de fazer o mesmo que agora se verificou. É aquele que vociferava no Plano Inclinado contra a impossibilidade de se fazerem comparações de resultados de um ano para o outro, exactamente como agora, no dizer do presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, a mesma que era presidida por Nuno Crato em 2008. É aquele que nos toma por tolos, invocando a independência de um IAVE que ele paga, cujos órgãos de direcção, com uma única excepção, são nomeados pelo Governo, sob proposta dele. E que disse o presidente do Conselho Científico do IAVE, o único órgão não nomeado pelo Governo, em Coimbra, em 16 de Maio passado? Que o Ministério da Educação e Ciência condiciona o IAVE, preordenando o resultado dos exames. Como acabamos de verificar.

A diminuição da taxa de reprovações nos anos de exame, tão celebrada pelo Ministério da Educação e Ciência, tem uma razão para quem não se fica pelas letras gordas: é que, em contrapartida, está a aumentar o número daqueles que ficam retidos nos anos intermédios. Penalizadas pelos resultados das classificações (créditos de horas), pressionadas pela febre dos exames, as escolas deixam para trás os que têm dificuldades de aprendizagem e os que pertencem a famílias social e economicamente mais débeis. Circunstância para que contribui, do mesmo passo, a crescente desmotivação dos professores, sobrecarregados de trabalho, sujeitos há anos ao congelamento de carreiras e a cortes salariais, muitos sem projecto de vida e expostos a despedimentos sumários.

Se na próxima legislatura a Educação continuar governada apenas por paradigmas utilitários e econométricos, não conseguiremos compreender socialmente, quanto mais resolver, os grandes problemas que se colocam aos alunos, às famílias, aos professores, numa palavra, ao país.

* Professor do ensino superior

01/07/2015

Danos e dolo

no Público,
1 de Julho de 2015

por Santana Castilho *

Parafraseando José Saramago, há uma regra fundamental que é, simplesmente, não calar. Não calar!

1. O despacho nº 7031 - A/2015 introduz o ensino de mandarim em algumas escolas secundárias públicas no próximo ano-lectivo. Os professores serão chineses e as despesas correm por conta da República Popular da China, mediante um protocolo com o Instituto Confúcio. Este instituto tem por objectivo imediato a promoção da língua e da cultura chinesas. Mas outros vêm a seguir, ou mesmo antes, pese embora tratar-se de matérias a que Confúcio era avesso. Com efeito, logo que a iniciativa foi conhecida, chegaram notícias de experiências idênticas de países ocidentais, que cancelaram acordos similares por ameaça à liberdade académica (vigilância indesejável de estudantes e actos de censura). Dito nada pelo Ministério da Educação sobre este começo menos auspicioso, sobram perguntas, a saber: que diz o ministro à suspeita transnacional (França, Suécia, EUA e Canadá, entre outros) quanto à utilização do Instituto Confúcio como instrumento de promoção da ideologia do governo chinês? Poderemos aceitar que uma disciplina curricular do sistema de ensino nacional seja leccionada por professores estrangeiros, escolhidos pelo governo da China, pagos pelo governo da China e com programas elaborados por uma instituição que obedece ao governo da China? Conhecida que é a complexidade extrema da aprendizagem do mandarim, particularmente no que à escrita respeita, fará sentido iniciá-la … no 11º ano? Terá a iniciativa relevância que a justifique? Pensará o grande timoneiro Nuno Crato substituir o Inglês (cujos exames acabou de entregar a outra instituição estrangeira) pelo mandarim, como língua de negócios? Ou tão-só se apresta, pragmaticamente, a facilitar a vida aos futuros donos disto tudo, numa visão futurista antecipada pela genialidade de Paulo Futre?

A indústria do financiamento alienou por completo a solidez pedagógica das decisões e transformou o currículo escolar numa manta de retalhos de experimentalismos sem coerência.

O ministério de Nuno Crato ficará marcado por um contínuo de soluções aos solavancos, determinadas pela ânsia de responder a um sistema político e económico que exige do ensino resultados com impacto rápido no sistema produtivo. Uma simples lógica de obediência a mecanismos simplistas de mercado, com total desprezo pela vertente personalista da acção educativa e pela necessidade de colher aceitação social para as políticas educativas.

2. Quando, em Novembro de 2013, o Governo aprovou o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, revendo por decreto o artigo 75º da Constituição da República, porque derrogou por essa via o carácter supletivo do ensino privado nele contido, escrevi que a regulamentação que se seguiria criaria uma engenharia social e económica similar às parcerias público-privadas. Aí está tudo confirmado pela Portaria nº 172-A/2015 e aviso de abertura do concurso subsequente. São 656 turmas dos 5º, 7º e 10º anos, num total superior a 16.400 alunos, que poderão sair do ensino público para o privado, com o financiamento garantido pelo Estado, à razão de 80.500 euros por turma. Estaremos a falar de uma despesa pública que se aproximará dos 150 milhões de euros. Esta despesa é nova, soma-se ao financiamento do mesmo género que o Estado já suporta e, na maior parte dos concelhos em análise, as escolas públicas têm capacidade para receber os respectivos alunos. Querer tornar indiferenciáveis, por via da falsa questão da liberdade de escolha, o sistema de ensino público, sem fins lucrativos, e o sistema de ensino privado, com fins lucrativos, é uma subtileza ardilosamente concebida por este Governo para fazer implodir o princípio da responsabilidade do Estado no que toca ao ensino de todos os portugueses.

O que influencia mais a produtividade das organizações? A qualidade dos que gerem ou a competência dos que trabalham? Quando a organização sob análise é o sistema de ensino, diz-me o conhecimento empírico, longo, e o estudo de anos, muitos, que outras fossem as políticas e outros seriam os resultados. Com os mesmos professores. Com os mesmos alunos.

3. A crise da Grécia é a crise de todos nós. Desistimos dos velhos e vamos desistindo da escola pública e do serviço nacional de saúde. Ao invés de elevar padrões de vida, aceitamos generalizar a pobreza. A cultura europeia cede ao ensino apressado do mandarim, na esperança de suprir uma união económica que falhou. Atarantados, não distinguimos danos de dolo.

Admito que seja ainda exagerado falar-se de fascismo pós-moderno. Mas o crescimento da violência legal aplicada à solução de problemas políticos, sem réstia de democraticidade, mesmo que apenas formal, dará, a breve trecho, se continuarmos assim, total legitimidade ao uso da expressão. É aceitável a penhora da casa de família por dívidas irrisórias? Impor à paulada o desacordo ortográfico? Tomar eleitores por escravos sem pio de eurocratas não eleitos, na paródia sinistra em que a Europa se transformou?

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)