28/06/2017

No rescaldo de uma greve

no Público
28 de Junho de 2017

por Santana Castilho*

Era previsível o esvaziamento do impacto da greve dos professores, uma greve que poucos queriam. Os sindicatos não obtiveram nada do que desejavam, a saber: regime especial de aposentação, retoma da progressão na carreira a partir de Janeiro de 2018, clarificação dos horários de trabalho, novas vias de vinculação e alteração do modelo de gestão das escolas. Mas ficaram a perceber o que nunca terão. E talvez tenham percebido que petições, desfiles, cordões humanos, concentrações, postais e autocolantes na lapela não resolvem problemas.

Com a tarimba que levam de sindicalismo militante, Mário Nogueira e João Dias da Silva não sabiam que a recuperação de algumas migalhas, do muito que os professores perderam numa década de congelamento, é decisão do ministro Centeno, que não do ajudante Tiago? Ou perceberam agora, finalmente, que tomar um imberbe, que nunca escreveu uma linha sobre Educação, para ministro, por mais inteligente que fosse, significou, desde o início, que António Costa queria para o sector irrelevância e domesticação política?

A ética mínima ficou na lama com esta greve. Atropelando o direito à greve dos professores, Passos e Crato enxertaram na lei os serviços mínimos em tempo de exames. O PS e as forças políticas que agora sustentam o Governo revoltaram-se na altura. Mas, sem incómodo de maior, viram agora ser usada essa lei para fazer o que antes censuraram. Julgamentos e cirurgias sofrem adiamentos quando há greves na Justiça ou na Saúde. Mas um exame do 11º ano mais a brincadeira de uma prova de aferição são necessidades sociais impreteríveis. Em Janeiro de 2016, Tiago Brandão Rodrigues disse ao Diário de Notícias que o modelo de exames era “errado e nocivo”. Que alguém tenha a caridade de lhe explicar que não pode dar lições sobre a maldade dos exames e depois decretar serviços mínimos para os garantir.

Ainda a propósito da greve, uma palavra sobre a falta de união no seio dos professores. As políticas seguidas por Maria de Lurdes Rodrigues e Nuno Crato provocaram-lhes desânimo e saturação. Mas não explicam o clima de divisão em que vivem.

A disputa entre professores, quer consideremos a substância, quer consideremos a forma, não serve a classe, porque a desagrega e lhe diminui a credibilidade aos olhos da sociedade. São professores do secundário que depreciam os colegas do pré-escolar e do 1º ciclo, são professores do público que se opõem aos do privado e vice-versa, são lutas menores entre grupos disciplinares, rivalidades entre os que pertencem aos quadros e os que almejam lá entrar e directores que esquecem facilmente que também são professores.

A Educação, enquanto área de actividade profissional, está sob as mais complexas e díspares influências. Do ponto de vista científico são múltiplas as ciências que a servem. Do ponto de vista social e político são muitas as pressões que a moldam e a tornam objecto de conflitos. Mas só a ausência de senso e ponderação da classe faz com que se torne publicamente tão evidente, por vezes de modo deprimente, o que separa os professores.

Posto isto, não somemos à disputa que analisei a disputa, sem sentido, entre professores e outros cidadãos, que a greve também trouxe à colação. Porque os professores precisam da ajuda de todos para educarem os filhos de todos.

É frequente ouvirmos afirmar que o futuro depende dos nossos jovens. Mas quem o diz esquece, com igual frequência, que são os professores que os preparam e que a sociedade lhes deve, por isso, um reconhecimento que tem diminuído nos últimos tempos. E tenhamos presente que, desde que a arrogância contabilística substituiu a política competente, milhares de professores, cúmplices solidários da construção dos projectos de vida de centenas de milhares de alunos, estão, eles próprios, impedidos de construir os seus projectos de vida familiar.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

14/06/2017

A Educação rosa

no Público
14 de Junho de 2017

por Santana Castilho*

O PS é um partido político que foi perdendo a sua matriz ideológica. Sob a liderança de António Costa, a aliança à esquerda é meramente circunstancial e ditada por ser a única forma de ganhar o Governo, depois de perder as eleições. Para os que legitimamente discordem deste ponto de vista, recomendo a análise fina das votações da legislatura e a interpretação grossa dos sinais dos últimos dias (bloco central na TAP, flop na chefia das secretas, imprudente acolhimento de familiares de amigos e de interesses de amigos, prudente respeito pelos contratos firmados com os chineses da EDP mas oportuno desprezo pelos contratos firmados com os professores portugueses).

Para os que concluem o ensino secundário, é hora de exames, onde se joga a entrada nas universidades e politécnicos. Para alguns dos outros é hora de brincar às provas de aferição, onde se queima credibilidade, tempo e dinheiro, porque se trata de provas que foram largamente usadas e abandonadas por inúteis e porque, ao persistir na asneira, ao menos que fossem aplicadas no fim dos ciclos de estudo ou feitas por amostragem.

Na equação política do PS a Educação não conta. O ministro é um bibelot que acompanha os senhores nas festas e que se mistura com a malta nos recreios, quando há fotógrafo por perto.

A análise do discurso do secretário de Estado João Costa expõe uma mistura de postulados gastos, por óbvios, com teorias pedagógicas velhas e ultrapassadas, que foram abandonadas porque falharam, depois de terem lançado a confusão no sistema de ensino. É certo que este arauto-mor do “eduquês” recuperado teve os ímpetos travados e passou das “alterações profundas” e da sua generalização para a experimentação circunscrita da “flexibilidade pedagógica”. Mas a verdade é que está destruindo, com o apoio de prosélitos e oportunistas, o que, apesar de tantas vicissitudes e sacrifícios, os professores sérios e maduros conseguiram acrescentar aos resultados do sistema de ensino. E poupem-me os prosélitos à ligeireza do “parece que no tempo de Crato é que era bom”, porquanto basta ler o que sobre ele escrevi. A questão é termos passado de uma pedagogia ferozmente utilitarista, que encarava a Educação como mercadoria ao serviço da economia de mercado, sem sensibilidade humanista nem consideração pelas diferenças individuais das crianças em formação, para uma pedagogia do paraíso, assente na retórica provinciana do “aluno do século XXI”, do “trabalho de projecto”, da “flexibilidade pedagógica”, do “trabalho em rede” e dos “nados digitais”, sem considerar o estádio intermédio que resulta da arbitragem prudente entre o valor intrínseco do conhecimento e a especulação pedagógica.

Quando se junta a melodia das “aprendizagens essenciais” ao estribilho da “flexibilidade pedagógica”, os que já assistiram a tantos coros de outros tempos sabem o que a música vai dar: um desconcerto nacional em que o ascensor social, que a Escola pode ser, pára uma vez mais. Explicitando a metáfora: Crato mandava os que chumbavam aprender uma profissão aos dez anos; Costa nivela por baixo e reserva “as aprendizagens essenciais”, que ninguém sabe o que são nem como se definem, para os que já chegam à Escola oprimidos pela sorte madrasta de terem nascido em meios desfavorecidos. Definitivamente, só há um caminho, que não importou a Crato e menos importa a João Costa: encontrar um currículo e programas correspondentes equilibrados e adequados à maturidade e desenvolvimento dos alunos e acompanhá-los, sem diminuições de exigência e rigor, com reforço de meios e recursos logo que evidenciam as primeiras dificuldades. A inovação pedagógica do aprender menos não remove o insucesso. Mascára-o. Os experimentalismos que partem do abaixamento da fasquia não puxam pelos que ficam para trás. Afunda-os. O escrutínio sério das políticas educativas das últimas décadas, que só um pensamento crítico livre de contaminações ideológicas permite, demonstra-o.

É importante que cada professor saiba bem de que lado quer estar nesta dialéctica.

* Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)